A escalada da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, impulsionada por novas tarifas impostas pelo ex-presidente Donald Trump, coloca em risco setores estratégicos da economia americana — incluindo agricultura, alimentos, aviação e semicondutores. Especialistas ouvidos pelo jornal New York Post alertam que as medidas podem resultar em perdas financeiras expressivas, fechamento de fábricas e demissões em massa.
Na quarta-feira (9), Trump elevou para 125% a tarifa sobre produtos importados da China, com aplicação imediata. A decisão veio logo após o aumento anterior, de 104%, entrar em vigor durante a madrugada. Ao mesmo tempo, o ex-presidente anunciou uma pausa de 90 dias na cobrança de tarifas para a maioria dos outros países.
As tarifas impostas por Trump têm como objetivo reduzir o crescente déficit comercial com a China, que, segundo o Financial Times, registrou um superávit de US$ 361 bilhões em favor dos chineses em 2024. No entanto, a retaliação chinesa pode impactar severamente empresas americanas dos setores de varejo, eletrônicos, automotivo, aviação e semicondutores, que dependem do mercado chinês para exportações.
Impacto nas Indústrias Americanas
Aviação e Automotivo
A Boeing, gigante da aviação, está entre as mais ameaçadas. A empresa tem contratos para entregar 45, 53 e 81 aeronaves às companhias aéreas chinesas Air China, China Eastern Airlines e China Southern Airlines, respectivamente, nos próximos dois anos. Com a nova tarifa chinesa, concorrentes como a Airbus e a estatal chinesa Comac podem se tornar mais atraentes, comprometendo esses acordos.
“A Boeing já enfrenta dificuldades no mercado chinês desde os acidentes de 2018 e 2019. A tarifa agrava a situação, mas a produção de aviões é lenta, o que dá algum tempo para ajustes na cadeia de suprimentos ou negociações”, explica David Warrick, vice-presidente da Overhaul, empresa de gestão de riscos logísticos.
No setor automotivo, as “três grandes” de Detroit — Ford, General Motors e Stellantis — podem ser forçadas a absorver custos adicionais, o que pode levar à suspensão de linhas de produção, demissões ou até fechamento de fábricas.
“Embora os carros chineses dominem o mercado local, isso é uma má notícia para nossas montadoras”, afirma Brandon Daniels, CEO da Exiger, empresa de inteligência artificial para cadeias de suprimento.
A Harley-Davidson, ícone americano de motocicletas, também sente o impacto. Após tentar expandir na China, a marca registrou uma queda de 18% nas vendas na Ásia em 2024, segundo o site Powersports Business. A nova tarifa pode agravar essa crise.
Agricultura e Alimentos
O setor agrícola americano, que exportou mais de US$ 27 bilhões para a China em 2024, enfrenta perdas iminentes. Produtos como soja (US$ 13 bilhões), algodão, sorgo, carne bovina, suína e frutos do mar — que somaram mais de US$ 1 bilhão cada — são alvos diretos da tarifa chinesa. Durante a guerra comercial de 2018, os sojicultores americanos já haviam perdido mercado para o Brasil, e a Associação Americana de Soja prevê que isso se repita.
No setor alimentício, gigantes como Coca-Cola e Hershey também estão em risco. A Coca-Cola, com uma capitalização de mercado de US$ 300 bilhões, faturou US$ 3,25 bilhões na China em 2024, segundo a Swire, sua parceira de engarrafamento no país.
“Doces e refrigerantes são compras discricionárias. As empresas podem subir preços sem perder muitos clientes, mas, com inflação, tarifas e menor demanda, podem ter que optar por aumentos drásticos ou demissões”, alerta Hitha Herzog, analista-chefe de varejo da H Squared Research.
Setor de Semicondutores
A China, que importa US$ 10 bilhões em chips anualmente, é um mercado vital para empresas como Intel e Micron. A Intel, por exemplo, obteve 29% de sua receita no país em 2024. Com a tarifa de 84%, esses produtos podem se tornar mais caros e perder competitividade frente a concorrentes. A Nvidia, por outro lado, deve escapar do impacto direto, já que seus chips de inteligência artificial são fabricados em Taiwan pela TSMC.
Outros Setores Atingidos
Empresas como KitchenAid, conhecida por suas batedeiras produzidas em Ohio, e Crayola, com fábricas na Pensilvânia, também podem sofrer com as novas tarifas. Embora tenham operações globais, sua forte base produtiva nos EUA as torna vulneráveis, segundo Rita McGrath, professora da Columbia Business School.
Perspectivas e Soluções
Especialistas alertam que as tarifas chinesas, que entram em vigor nesta quinta-feira, devem elevar os custos de produção, reduzir margens de lucro, provocar atrasos nas cadeias de suprimentos e derrubar a demanda, afetando os resultados do segundo trimestre.
“Uma tarifa retaliatória de 84% não é apenas simbólica, é comercialmente devastadora”, afirma Warrick.
Para mitigar os danos, empresas americanas precisarão buscar mercados alternativos ou reforçar as vendas internas. No entanto, substituir o mercado chinês é um desafio de escala global. Sem avanços nas negociações, o embate tarifário deve provocar custos elevados e remodelar cadeias de suprimento em todo o mundo.
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